La Companhia Nacional de Bailado (CNB) estrenó la última producción de Olga Roriz, “Orfeu e Eurídice”, creada con motivo del trescientos aniversario del nacimiento de Christoph Willibald Gluck (1714-1787), conocido reformador del género de la ópera. Con un aforo de 800 localidades, el Teatro Camões de Lisboa presentó una buena entrada para acoger la première y respondió de forma muy positiva ante la propuesta de la coreógrafa portuguesa. Tomando como base musical la ópera de Gluck “Orfeo ed Euridice” (1762), Roriz reinterpreta la trágica historia de amor de estos legendarios personajes griegos. Al igual que Orfeo acudió al inframundo para salvar a su amada, la prolífica carrera creativa de Roriz parece revivir el espíritu del desaparecido Ballet Gulbenkian (1965-2005), en el que la artista lusa ejerció como bailarina y coreógrafa. Porque el sello de contemporaneidad está permanentemente impreso en la labor de la creadora. Eso y un cierto gusto por las historias de amores truncados –véanse “Isolda” (1990) o “Pedro e Inês” (2003)-, se funden en la trayectoria coreográfica de Olga Roriz, quien recibe con frecuencia el apelativo de la “Pina Bausch portuguesa”.
En la mitología, Orfeo (en griego, Ορφέυς) era el “padre de los cantos” y se enamoró de la ninfa Eurídice (en griego, Ευρυδίκη). Ella muere a consecuencia de una mordedura de serpiente y él desciende al inframundo para salvarla. Hades y Perséfone le imponen como condición a Orfeo que no debe mirar a Eurídice hasta que ella esté completamente bañada por los rayos de sol, es decir, nuevamente en el mundo de los vivos. En un gesto de impaciencia, él la mira mientras ella aún mantiene un pie dentro del inframundo. Eurídice se desvanece. Partiendo de la leyenda, Olga Roriz se vuelve a descubrir como una narradora eficaz, capaz de condensar toda la trama en diecisiete escenas, divididas, a su vez, en dos actos. La obra “Orfeu e Eurídice” tiene una duración de una hora sin pausa y el espectáculo va de menos a más. De esta forma, el primer acto resulta más confuso y denso para el espectador, mientras que el segundo eleva las expectativas a nivel exponencial.
La dilatada trayectoria coreográfica de Olga Roriz –realizó su opera prima en 1978, “Que loucos que somos! Tu não és?” para el Atelier Coreográfico del Ballet Gulbenkian- permite hablar de un estilo y un lenguaje plenamente definidos. Una característica muy habitual en sus obras es el desdoblamiento del personaje protagonista entre varios intérpretes a la vez. De esa forma y manera, en “Orfeu e Eurídice” potencia la infinita desolación de poeta por la pérdida de su amada. Además, en esta pieza, hay otro elemento periférico que posee su relevancia. En gran parte del espectáculo, Roriz calza a los miembros de la CNB con botas militares, que, como consecuencia, dibujan un tipo de movimiento muy diferente a bailar descalzos. Si las zapatillas de punta buscan flotar como un ser etéreo, las botas militares evocan peso, raíces con la tierra, lastre que amarra al inframundo. La pieza juega con la contraposición de escenas grupales en las que la masa avanza como una turba amenazadora y dúos más sosegados entre los protagonistas, siendo especialmente memorable el sueño en el que Orfeo evoca los momentos felices con Eurídice.
El amplio espectro de intensos sentimientos –amor, nostalgia, tristeza, lamento, desolación- que debe plasmar Orfeo a lo largo de los sesenta minutos de duración del espectáculo presupone la necesidad de un bailarín dotado no sólo en la técnica sino en la interpretación. En este sentido, Carlos Pinillos, Primer Bailarín de la CNB, reflejó con brillantez cada uno de los estadios del lamento de Orfeo. En un momento de excelente madurez escénica, el artista madrileño emerge como un sólido intérprete, con una personalidad propia sobre las tablas, en las que une su dominio técnico y su capacidad de empatizar con esas intensas sensaciones. Su contrapunto viene de la mano de Filipa de Castro, Primera Bailarina de la CNB, quien interpretó a Eurídice con gran solvencia, también en una etapa de madurez sobre los escenarios. Pareja dentro y fuera de los escenarios, la química y complicidad entre Pinillos y de Castro fue un factor decisivo a la hora de dotar de profundidad a los roles protagonistas. Y desde luego, otro factor que también contribuyó a redondear “Orfeu e Eurídice” fue la interpretación de la música en directo por Divino Sospiro, Ecce Ensemble y Coro de Câmara da Esml. Seis minutos de aplausos con el público del Teatro Camões en pie fue la gratificación para la labor de la CNB, dirigida por Luísa Taveira, por esta incursión en el lado más oscuro del inframundo, de la mano de un enamorado y sufrido Orfeo.
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impressed to read all at alone place.
Para quem conhece o trabalho de Olga Roriz, esta peça foi uma vez mais um encontro de várias expressões. Opera, cantores, figurinos, músicos, bailarinos, luzes, cenografia e coreografia num casamento perfeito inseparável do que define Olga Roriz e a torna única no nosso pobre panorama cultural.
Gostei e recomendo vivamente.
ORFEU: O HERÓI DERROTADO DA CNB
Para quem não está a par das efemérides musicais – este ano celebram-se os 300 anos sobre a data de nascimento do compositor alemão Gluck – e das modas – Sophia de Mello Breyner é lembrada e citada a toda a hora e está a caminho do Panteão Nacional – mas se interessa, verdadeiramente, pela arte da dança, poderá congeminar uma ligação entre cinco nomes que podem ter alguma coisa a ver uns com os outros, muito pouco, ou nada: Orfeu, Olga Roriz, Pina Bausch, Ópera de Paris e Companhia Nacional de Bailado (CNB).
É que a companhia de ballet da ópera parisiense recebeu, em 2005, do Tanztheater de Wuppertal – que a criara três décadas antes e a Arte filmou-a três anos depois e está disponível em permanência no espaço virtual – uma peça de sucesso de Bausch intitulada “Orfeu e Eurídice”. Com um título (exactamente) igual ao que a CNB agora encomendou à coreógrafa de “Pedro e Inês”.
Qualquer das produções, tendo por inspiração a obra homónima de Gluck, sobre o chamado “mito de Orfeu” baseia-se, em traços grossos, na tentativa corajosa, mas fracassada, do poeta e médico, filho de Calíope e de Apolo ou Eagro, rei da Trácia, de resgatar sua amada Eurídice das garras do mundo das trevas. Trata-se, pois, de um tema intemporal, prenhe de qualidades e virtudes e imensas potencialidades na área filosófica e estética, porém, totalmente asséptico para a dança numa época de sucessivas guerras, temores e convulsões em que não há coreógrafos portugueses que tenham unhas – e vísceras – para pegar numa companhia e se embrenhar por fados mais interventivos e menos decorativos! A verdade é que a versão portuguesa, ainda que menos poética que a alemã, com movimento menos fluído e, sobretudo, com uma deliberada tensão e uma urgência formal, nunca nos atinge no estômago. Talvez para isso contribuam os dois lados de uma mesma moeda, uns figurinos pesados nem sempre consentâneos com a narrativa e questionáveis na sua eficácia ainda que, frequentemente, ampliem os movimentos e umas roupas interiores e botas negras de tropa que deixam os corpos desprotegidos e nada erotizados. A estranheza é bem menor no que concerne a simples e discreta cenografia. O proscénio apresenta-se escuro e a arquitectura teatral, praticamente, resume-se a quatro grandes colunas espelhadas na base por onde, no fundo do palco, os artistas entram e saem com frequência. Ambos são da autoria de Nuno Carinhas, um colaborador de longa data de Roriz. E iluminados com a habitual perícia e sensibilidade por Cristina Piedade que, no caso, encontra algumas soluções muito apropriadas para fazer sobressair conjuntos e solistas em situações de conflito ou de simples encontros amorosos.
Embora não seja especialmente importante fazer um paralelo entre as obras supra citadas, se em muitos momentos da peça da já desparecida coreógrafa germânica ela quase parece (como um gesto de graciosidade), citar Martha Graham, Roriz, que tem usado e abusado da estética “bauschiana”, desta vez, cita-se a ela própria. É fácil detectar não só um repetir de “clichés” – mulheres com cabelos selvagens e troncos ondulantes e homens abrutalhados com vestidos compridos, correrias sem grande tino, quedas forçadas, atropelos e embates entre corpos, espasmos e soluços – mas também uma débil definição das personagens principais (Orfeu, Eurídice e Amor, trio que também aparece na estrutura da peça de Bausch à frente de um extenso conjunto de bailarinos) e que são, sem grande espanto, as maiores fraquezas desta obra, estreada no Teatro Camões na época carnavalesca. Numa altura em que o país está a braços com uma enorme crise, obras de pendor menos dramático certamente atrairiam um público mais alargado em dias de tradicional descompressão. Mas, nesse particular detalhe, a directora artística da CNB, Luisa Taveira, já nos habituou ao total “desencontro” em termos da calendarização dos espectáculos da companhia.
Numa perspectiva puramente espacial a mancha de bailarinos em cena e de cantores e músicos – estes colocados ao nível do público pois, deliberadamente, não se tem utilizado o fosso de orquestra – quase se comparava, na noite da estreia, pejada de convidados mas em que o teatro nem sequer encheu, à dimensão da dos espectadores! É que a CNB, em vez de se preocuparem em dançar bem, de um modo criativo e ter um público saído daqueles que com os seus impostos pagam as suas temporadas, parecem bem mais preocupados em organizar conferências sobre literatura… Já é hábito os convites a gente que nada tem a ver com a arte de Terpsícore para dispendiosos fogos-fátuos que, desta vez, se traduzem num ciclo de conferências. Será que ainda há quem não perceba que a Faculdade de Letras e outras instituições universitárias levam a cabo essas iniciativas bem melhor e no sítio certo?
A nova dança de Roriz, mais ensopada de intenções do que verdadeira intensidade dramática, lança-se em cena de um modo pouco exigente com uma espécie de introdução em que os bailarinos – quase toda a companhia – mais não fazem que andar (com visível urgência) e correr desenfreados em todas as direcções. Em termos de composição coreográfica, este arranque, não podia ser mais básico e menos apelativo. Mas a coreógrafa de Viana do Castelo recupera a sua geografia espacial ao concentrar-se nas figuras centrais e, sobretudo, em Orfeu interpretado por Carlos Pinillos (na noite de estreia) pois a figura do Amor nem perceptível é e a da amada Eurídice (Filipa Castro) nunca chega a afirmar-se num espaço amoroso dentro da personagem que lhe corresponde. Há, contudo, um momento, o mais feliz na peça, em que os protagonistas interpretam um belo dueto prenhe de registos amorosos e de total entrosamento com a música e a atmosfera operática. Por outro lado, os supostos pastores, ninfas, demónios, fúrias e espíritos – conforme a narrativa – convertem-se numa massa padronizada de corpos em frenesim, que no epílogo permanecem inanimados e abandonados nos seus labirínticos contornos emocionais, por onde acabam por transitar os dois amantes.
A conhecida e bela ária “Che farò senza Euridice ?” de “Orfeo ed Euridice” (1762), cantada pelo coro, surge no final da peça como um momento de profunda empatia entre som e movimento, a par de cenas que parecem roubadas a uma obra de Roriz dos tempos da Gulbenkian, “Violoncelo Não Acompanhado” (na qual já apareciam roupagens com um corte semelhante e uma venda nos olhos do protagonista) e ao segundo acto do Lago dos Cisnes em que um mesmo Carlos (Pinillos) ainda há uns poucos meses procurava Filipa, sua repetida amada, no mesmo palco, no meio dos “mesmos” cisnes… agora inanimados no solo. Porém, no clássico de Petipa-Ivanov, Siegfried o herói, não morre debaixo de uma chuva de botas atiradas com raiva, como o infeliz Orfeu!
A série de espectáculos agendada, que dura mais de duas semanas, é musicalmente acompanhada pela orquestra Divino Sospiro – conduzida com verve e segurança pelo italiano Massimo Mazzeo – o Ecce Ensemble e o Coro da Escola Superior de Música de Lisboa. Estranho é que no programa se omita o nome dos cantores solistas que, pontualmente, cantam algumas das partes de Orfeu e de Eurídice!
Apesar da esforçada interpretação de Pinillos no papel titular e do “timing” perfeito do bailado, cerca de uma hora e nem mais, Roriz cristalizou no seu próprio estilo e num conceito teatral já muito gasto, nunca indo muito além do lugar-comum. Apesar das boas intenções – amplamente debitadas para a imprensa pela coreógrafa – a obra nunca penetra nos infernos da mente nem chega ao paraíso que a partitura musical, por vezes, insinua, ficando-se numa espécie de limbo pouco corajoso e, sobretudo, nada estimulante para o corpo de baile. Mas a verdade insofismável é que a CNB não é a Ópera de Paris nem Olga Roriz a defunta Pina Baush e, muito menos, George Balanchine que, na sua singularidade, abordou o mito de Orfeu numa óptica mais balética a partir de… Stravinsky!
Na verdade, quando havia muitas alternativas para Olga Roriz ela, objectivamente, enveredou pelo caminho mais fácil. Porém seria injusto afirmar que tudo se resum a… “mais do mesmo”!
in REVISTA DA DANÇA
NOTA: las fechas correctas del Ballet Gulbenkian son (1961-2005)